Folha de S.Paulo em 15/04/2020
Egito, México e EUA também avaliam nitazoxanida para tratar Covid-19, mas eficácia em humanos ainda é incógnita
Sabine Righetti
Anunciados com efusividade pelo ministro da Ciência, Marcos Pontes, na última quarta (15), os testes com humanos de uma droga de baixo custo contra a Covid-19 que teve resultados promissores em células já estão em andamento em pelo menos três países —em um deles, em fase avançada.
A nitazoxanida foi mapeada por meio de inteligência artificial e de biologia computacional em meio a 2.000 fármacos pelo Cnpem (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais) e testada em células isoladas no Instituto de Biologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), um dos poucos da região com nível de segurança necessário para manipular vírus.
Agora, segundo o ministro, 500 pacientes em sete hospitais (cinco hospitais militares no Rio, um em São Paulo e um em Brasília) participarão dos experimentos com a droga.
Testes com humanos da nitazoxanida para Covid-19 já foram registrados neste mês de abril no Egito, no México e nos EUA na base internacional Clinical Trials, que reúne informações sobre experimentos de medicamentos com pacientes no mundo todo. Até sábado (18), havia registro de dois testes diferentes de nitazoxanida para Covid-19 com humanos no Egito. Os demais países informaram uma pesquisa cada.
No México e no Egito, os testes tem sido feitos de maneira combinada com outras drogas, como a própria cloroquina e a hidroxicloroquina. O México está na última etapa desses experimentos (a “fase 4”, na qual os ensaios coletam informações adicionais sobre a segurança, eficácia ou uso ideal de um medicamento).
Já nos EUA, as pesquisas devem começar no dia 30. Lá, como no Brasil, a nitazoxanida será pesquisada com placebo —ou seja, um grupo de pacientes recebe a droga e, outro, uma pílula sem a medicação.
Testar drogas disponíveis no mercado para novas doenças é prática comum. Para se ter ideia, há, na Clinical Trials, registro de cerca de 600 estudos e mais de 150 drogas comerciais pesquisadas em humanos para a Covid-19.
Esse é o caso da cloroquina. Usada para doenças como a malária, a droga é defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) apesar de poucas evidências científicas, até agora, de que funcione para a Covid-19.
Mesmo no caso de fármacos que já estão no mercado, os testes para novas doenças começam em células isoladas para, depois, avançar para humanos. No caso da nitazoxanida os resultados iniciais da pesquisa mostraram uma redução de 93,4% da carga viral em células infectadas.
Por causa da alta porcentagem, o ministro disse ter boas perspectivas de resultados positivos dessa pesquisa. É o tipo de afirmação evitada pela comunidade acadêmica, pois só 7% dos testes que funcionam em células isoladas, como é o caso dessa pesquisa, têm bons resultados em pessoas. Na prática, a quantidade de droga necessária para matar um vírus em um humano pode ser bem mais tóxica do que em testes em laboratório.
No Brasil, as pesquisas de fármacos com humanos precisam de autorização da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), órgão do Ministério da Saúde. Até sábado (18) constavam na Conep pelo menos três deliberações de testes da nitazoxanida para Covid-19 com pacientes desde terça (14). São duas no Rio (UFRJ e Hospital Naval Marcílio Dias) e uma no Hospital Vera Cruz, em Campinas.
Essa última pesquisa também já entrou na base internacional Clinical Trials. Tem colaboração do laboratório Farmoquímica, que fabrica a nitazoxanida (nome comercial Annita). A empresa afirmou, em nota no seu site, que estudos clínicos com pacientes de Covid-19 “não têm nenhuma relação com iniciativas de órgãos públicos ou privados”. A conclusão dessa pesquisa com 50 pacientes de Covid-19 está prevista para 30 de junho.
A entrevista coletiva de Marcos Pontes foi feita na semana seguinte a uma visita oficial dele ao Cnpem. Consta, na agenda do ministro, uma reunião no centro nacional em 6 de abril com início às 9h30. No mesmo dia, de volta a Brasília, Pontes se encontrou com Bolsonaro no Palácio do Planalto.
No anúncio de Pontes, o nome nitazoxanida não foi divulgado sob a justificativa de evitar corrida às farmácias, como ocorreu com a cloroquina. Poucas horas após a declaração do ministro, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) publicou uma norma proibindo a venda desse medicamento sem receita médica especial.
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