Capacidade de manipular materiais em nanoescala abre novas perspectivas para tecnologia estratégica para a superação da crise climática
Os pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) têm comemorado diversos sucessos no uso de recursos avançados em microscopia e nanotecnologia para compreender e modificar materiais viáveis para uso em dispositivos que buscam usar a luz solar para quebrar moléculas de água para obtenção de hidrogênio de baixo carbono, ou “hidrogênio verde”.
“Faz 20 anos que eu trabalho nessa área”, revela o pesquisador Flávio Leandro Souza, do Laboratório Nacional de Nanotecnologia, “e eu brinco que nada se compara aos progressos que temos obtido nos últimos dois anos”.
A corrida mundial em busca de fontes de energia mais limpas ganhou mais urgência com os evidentes efeitos das crise climática, e vem demonstrando quanto os recursos da ciência são fundamentais e estratégicos para a superação desse desafio.
Por ser uma fonte de alta densidade energética, flexibilidade de uso e zero emissões locais, o hidrogênio tem potencial de agregar vantagens notáveis, com grande impacto em diversos setores. Entre os mais estratégicos, indústria (produção de aço), insumos para agricultura (produção de amônia) e energia para transporte (aviação, transporte terrestre e marítimo). Porém, a maior parte da produção de hidrogênio ainda acontece a partir de fontes não renováveis, contribuindo significativamente para a emissão de gases do efeito estufa.
Os desafios da fotoeletrólise da água
A fotoeletrólise, método que usa apenas luz solar (e não outras fontes externas de energia) para quebrar moléculas de água para obtenção de hidrogênio e gerando como subproduto apenas oxigênio, também costuma ser chamado de “fotossíntese artificial”.
O maior desafio tecnológico na implementação dessa tecnologia em processos de produção de hidrogênio é sua baixa eficiência. A porcentagem da energia solar captada e que realmente é absorvida pelo sistema e usada no processo de divisão fotoeletroquímica das moléculas de água é baixo, e até então girava em torno de 3%. Essa baixa eficiência se traduz em um alto custo de produção de hidrogênio. Apesar disso, a tecnologia desenvolvida pelo CNPEM tem potencial de reduzir significativamente as emissões de gases de efeito estufa.
H2SUS
O subprograma de hidrogênio sustentável (H2SUS) do CNPEM tem a ambiciosa meta de desenvolver soluções para economia de hidrogênio de baixo carbono, por exemplo, aumentar o nível de maturidade desta tecnologia 100% nacional, desenvolvendo novos métodos de fabricação de eletrodos capazes de atingir níveis de eficiência elevados. E algumas de suas recentes publicações têm tido destaque em revistas científicas com resultados promissores.
Conquistas
Artigos publicados recentemente em periódicos de alto impacto descrevem avanços significativos na fabricação de componentes que podem compor fotoeletrolisadores. Também têm sido desenvolvidos estudos que validam metodologias, em processo de patenteamento, que tratam da incorporação de elementos na fabricação de eletrodos de grandes dimensões.
Os resultados obtidos até agora se revelam promissores para prosseguir no desenvolvimento de processos que visam o escalonamento de uma tecnologia inovadora nesse campo.
“No passado, se modificava alguns materiais e se observavam os resultados. O aprendizado acumulado sobre os elementos e os métodos de incorporação em materiais nos permite, hoje, projetar antecipadamente no laboratório quais características de cada elemento podem contribuir para os resultados que esperamos obter”, explica o pesquisador Flávio Leandro Souza.
Resultados
A prova de conceito das capacidades de controle, usando óxido de ferro (hematita), um material abundante e de baixo custo, foi destaque de capa no periódico “Sustainable Energy & Fuels”. A incorporação de íons de gálio e háfnio e uma combinação de níquel, ferro e oxigênio, como modificantes resultou em um aumento de 65% na eficiência na obtenção de hidrogênio/oxigênio em comparação com o material puro.
“Como a concentração desses elementos modificantes representa menos de 4% do total, ou seja, 96% é óxido de ferro. Esse estudo coloca no cenário uma nova metodologia que envolve simples aparato, baixa complexidade para síntese, versatilidade no uso de técnicas de deposição e, mais importante, incorporação controlada de múltiplos modificantes”, esclarece o pesquisador.
Em outro artigo, publicado na Materials Today Energy, os pesquisadores do CNPEM revelam as perspectivas de escalonamento dessa tecnologia, a partir da capacidade de incorporar as rotas químicas já testadas na fabricação de componentes que já estão sendo usados em protótipos de fotoeletrolisadores.
“Manipular as interfaces, eliminar defeitos, ou mesmo mudar a composição química dessas interfaces de modo a favorecer a ocorrência de reações químicas, de forma escalonável e economicamente viável, são os requisitos fundamentais para a fabricação de materiais com alta eficiência e estamos nesse caminho”, resume Souza.
Laboratório de escalonamento
Os trabalhos de pesquisa seguem no sentido de aprofundar conhecimentos sobre outros aspectos, como a durabilidade e toxicidade dos materiais usados nos componentes de protótipos capazes de extrair hidrogênio, com eficiência, até da água do mar. A Divisão de Engenharia do CNPEM já trabalha no projeto de um laboratório com toda a infraestrutura necessária para testes em escala cada vez maiores.
Plataforma de Sustentabilidade
O CNPEM também é reconhecido pelo desenvolvimento de uma Plataforma de Sustentabilidade, desenvolvida por pesquisadores do Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR), capaz de calcular impactos econômicos, sociais e ambientais de diferentes tecnologias. A plataforma, que já possui uma base de dados consolidada, vem sendo ampliada para receber novas tecnologias, que permitirão expandir as avaliações do hidrogênio e trazer comparativos entre as tecnologias de produção e diferentes aplicações.
“Buscamos orientar as tomadas de decisão ao longo do processo de pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias, oferecendo informações baseadas em critérios de sustentabilidade e aspectos regionais. Conhecer os diferenciais do Brasil é fundamental para o desenvolvimento tecnológico, valorizando o nosso capital natural na transição para uma indústria de base renovável”, explica o pesquisador Edvaldo Morais do LNBR/CNPEM.
Sobre o CNPEM
Ambiente sofisticado e efervescente de pesquisa e desenvolvimento, único no Brasil e presente em poucos centros científicos do mundo, o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) é uma organização privada sem fins lucrativos, sob a supervisão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O Centro opera quatro Laboratórios Nacionais e é o berço do projeto mais complexo da ciência brasileira – Sirius – uma das fontes de luz síncrotron mais avançadas do mundo. O CNPEM reúne equipes multitemáticas altamente especializadas, infraestruturas laboratoriais globalmente competitivas e abertas à comunidade científica, linhas estratégicas de investigação, projetos inovadores em parceria com o setor produtivo e formação de investigadores e estudantes. O Centro é um ambiente impulsionado pela pesquisa de soluções com impacto nas áreas de Saúde, Energia e Materiais Renováveis, Agroambiental, Tecnologias Quânticas. A partir de 2022, com o apoio do Ministério da Educação (MEC), o CNPEM expandiu suas atividades com a abertura da Ilum Escola de Ciência. O curso superior interdisciplinar em Ciência, Tecnologia e Inovação adota propostas inovadoras com o objetivo de oferecer formação de excelência, gratuita, em período integral e com imersão no ambiente de pesquisa do CNPEM. Por meio da Plataforma CNPEM 360 é possível explorar, de forma virtual e imersiva, os principais ambientes e atividades do Centro, visite: https://pages.cnpem.br/cnpem360/.