Reprodução em 3D do modelo do novo coronavírus (Sars-CoV-2) — Foto: Reprodução/Visual Science
O início da vacinação contra a Covid-19 não significa o fim das buscas de cientistas por soluções às questões trazidas pela pandemia em 2020. Em Campinas (SP), pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e da Unicamp trabalham em diferentes frentes e que podem ser fundamentais em 2021, como a busca por um remédio eficaz contra a doença causada pelo Sars-Cov-2 ou a descoberta de qual vírus pode ser o causador da próxima crise de saúde global.
Questões como capacidade de produção e logística, da distribuição ao armazenamento, tornam impossível prever uma imunização rápida dos mais de 7 bilhões de habitantes do planeta. Além disso, a eficácia das vacinas contra Covid-19 a longo prazo ainda são incertas, e a busca por tratamentos e adoção de medidas restritivas e sanitárias devem permanecer em cena no próximo ano.
“Nem todo mundo vai ser vacinado ao mesmo tempo, não vai ser do dia para a noite. Por isso, opções de tratamento, de melhora no combate ao Sars-Cov-2 continuam sendo importantes”, destaca o virologista Rafael Elias Marques, do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), que integra o CNPEM.
Segundo o profissional, que fez parte da pesquisa que selecionou a nitazoxanida dentre 2 mil moléculas analisadas com auxílio de inteligência artificial para testes da eficácia do remédio no tratamento da Covid-19, o reposicionamento de fármacos, ou seja, a busca de uma substância já conhecida que seja capaz de atuar com o Sars-Cov-2, continua sendo uma aposta válida.
O virologista acredita que o sistema, que contou com desenvolvimento do biólogo computacional Paulo Oliveira, pode ser cada vez mais utilizado para acelerar esse reposicionamento no combate dessa e de outras doenças que venham a aparecer.
O grupo está concluindo trabalhos sobre a ação de uma molécula que atuaria na proteína responsável pela replicação do vírus da Covid-19. A previsão é que o material seja publicado nos primeiros meses de 2021.
Rafael Elias Marques, virologista do CNPEM, em Campinas (SP) — Foto: Reprodução
Próximas ameaças
Com a disseminação rápida do Sars-Cov-2, cientistas do mundo todo uniram forças e muitos deixaram de lado outros estudos para focar no combate à Covid-19. Rafael Elias Marques foi um deles. Mas a certeza de que é questão de tempo para que novas ameaças apareçam faz com que ele planeje para 2021 a retomada de sua linha de pesquisa.
“Essa não vai ser a última vez que vamos ter problemas com infecções.”
Marques trabalha com vírus transmitidos por mosquitos que são “negligenciados”, ou seja, não aqueles que envolvem doenças bastante conhecidas da população brasileira, como dengue, zika ou chikungunya.
Entre os objetos de estudo estão o mayaro, oropouche e o vírus da encefalite de St. Louis, todos em circulação no Brasil e América Latina, e do qual os cientistas pouco conhecem.
“Nunca se previne, mas o trabalho, o entendimento da biologia desses vírus, com criações de modelos experimentais, ajuda a entender como a doença e as infecções se desenvolvem, como as proteínas do vírus se organizam e a partir daí podemos buscar entender como intervir”, explica.
Sirius, laboratório de luz síncrotron de 4ª geração, reforça a ciência no enfrentamento do novo coronavírus — Foto: Nelson Kon
Uso do Sirius
Dentro do CNPEM está o superlaboratório Sirius, maior projeto científico brasileiro e que iniciou suas operações com a primeira linha de luz em 2020, em caráter emergencial, para auxiliar no combate ao novo coronavírus.
Laboratório de luz síncrotron de 4ª geração, o Sirius atua como uma espécie de “raio X superpotente” que analisa diversos tipos de materiais em escalas de átomos e moléculas.
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Em 2021, a expectativa dos cientistas é que seis linhas, que estão em estágio de pré-funcionamento, ajudem a acelerar o ganho de conhecimento de diversas áreas, inclusive contra o coronavírus ou outras ameaças.
“Estou ansioso para voltar a me dedicar às linhas. Estávamos habituados a virar a madrugada no antigo UVX [acelerador anterior], em que cada tomografia demorava duas horas e meia. A previsão é que com o Sirius, esse tempo caia para 10 ou 20 segundos”, projeta Rafael Elias Marques.
Professora Clarice Arns, da Unicamp — Foto: Arquivo pessoal
Mapeando os biomas
Enquanto no CNPEM os estudos ocorrem com vírus já descobertos, há um grupo de cientistas responsável por estudá-los, mas também que busca na natureza novos vírus que, em algum momento, podem cruzar o caminho dos seres humanos – como foi o caso do Sars-Cov-2.
Um dos centros de referência no Brasil é o Laboratório de Virologia Animal da Unicamp. No local, por exemplo, cientistas já estudaram variações da mesma família do vírus causador da Covid-19 e que são encontrados em morcegos comuns no Brasil.
Conhecer esses vírus e descobrir outros, em morcegos, aves migratórias e outros animais presentes em diferentes biomas brasileiros, é a missão de um grupo de pesquisadores sob a coordenação de Clarice Arns, virologista e professora titular do Instituto de Biologia de Unicamp. Ela espera os primeiros resultados ainda em 2021.
“Vamos mapear lugares nunca estudados. São poucos lugares no Brasil que estudamos morcegos, e os poucos lugares que estudamos, temos achado coronavírus. O que a gente quer ver, quer tentar ver, é se achamos alguma coisa que possa ser um indicativo de uma nova pandemia”, destaca Clarice Arns.
Dividindo a coordenação desse trabalho com o professor Edson Dorigon, da USP, Clarice explica que a ideia do mapeamento é criar um banco de dados não só para pesquisadores brasileiros, mas para que o mundo tenha acesso às informações.
“Tudo o que nós conseguirmos nessa expedição, vamos coletar. Não vamos matar os animais, mas coletar sangue, swab do trato aéreo e outros materiais”, explica a professora.
Como parte do estudo epidemiológico, que contará com pesquisadores de diversas regiões do Brasil para auxiliar na coleta, caberá à Unicamp o isolamento dos vírus encontrados, enquanto na USP serão feitos os sequenciamentos genéticos.
Morcegos em Campinas (SP) — Foto: Vanderlei Duarte/ TG
Morcegos e a natureza
Um dos cientistas que integra o Laboratório de Virologia Animal e colabora com o estudo é Paulo Vitor Marques Simas, doutor em genética e biologia molecular e responsável por estudar o “irmão” do coronavírus no Brasil.
Simas explica que os animais, entre eles os morcegos, tem um processo evolutivo muito maior que o dos seres humanos e é responsável pela manutenção de microorganismos patogênicos na natureza. O contato com outros animais e com o homem, por exemplo, ocorre, via de regra, por ação humana.
“A natureza nos defende, e a gente que é, na verdade, é o real destruidor. Se eu vou em uma região isolada e encontro um vírus altamente patogênico em um morcego, é sinal de que eu não devo destruir lá, devo preservar. Quando destruímos o ambiente, muitos desses morcegos passam a viver no sótão das casas, passam a circular entre os humanos e há a chance desse vírus chegar aos humanos”, detalha.
O pesquisador ressalta ainda que esse avanço sobre áreas verdes tem acelerado os episódios e surgimentos de vírus com potenciais para causar pandemias. “Foram três vezes nos últimos 20 anos, lembrando que teve o Sars-Cov-1, em 2003, e o Mers, em 2013, no Oriente Médio, altamente patogênico”.
Segundo Simas, esse cenário de desrespeito à natureza pode colocar a América do Sul em evidência em breve.
“Tenho acompanhado alguns trabalhos, e com a velocidade que tem destruído os biomas, a América do Sul pode ser o local de evolução de um novo vírus pandêmico em uma década”, conclui.
Vista aérea do campus da Unicamp, em Campinas (SP) — Foto: Reprodução/EPTV