Publicado originalmente em Jornal da USP em 10 de março de 2023.
Pesquisa verificou como antivirais afetam estruturas do coronavírus e de que modo as variantes aumentam resistência e comprometem eficácia dos medicamentos
No Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, uma pesquisa busca compreender como funcionam as proteases virais, que são estruturas fundamentais para o ciclo de vida do vírus da covid-19. O estudo quer entender como o Paxlovid e o Ensitrelvir, medicamentos antivirais desenvolvidos contra o coronavírus, afetam as proteases e como as variantes em circulação aumentam a resistência e comprometem a eficácia desses medicamentos. As conclusões do trabalho são detalhadas em artigo publicado na revista científica Journal of Biological Chemistry.
O coronavírus é usualmente conhecido como uma esfera coberta por proteínas, as chamadas spikes, uma espécie de envelope que contém no seu interior o material genético do vírus. “Quando esse vírus chega às células e após as spikes reconhecerem os receptores, ele ‘joga’ esse material genético dentro delas, sequestrando toda a maquinaria celular”, pontua o pesquisador Andre Schützer de Godoy, que lidera o projeto. “Esse material produz algumas proteínas que são essenciais para a sobrevivência e disseminação do vírus pelo organismo, sendo que dentre essas proteínas está a protease. Essa é a proteína que se transformou em um alvo óbvio para o desenvolvimento de novos medicamentos contra a doença, como os dois medicamentos aqui estudados.”
O Paxlovid e o Ensitrelvir foram dois medicamentos lançados mundialmente em finais do ano passado para combater a covid-19. O primeiro, lançado pela Pfizer e já contando com a aprovação do Food and Drug Administration (FDA) e da Anvisa, e o segundo, desenvolvido pela farmacêutica japonesa Shionogi, mas ainda sem aprovação pelas principais agências mundiais, têm como ponto negativo o alto custo para os pacientes. Apesar de diferentes, ambos os fármacos agem no mesmo alvo do vírus – a protease.
O trabalho desenvolvido foi exatamente sobre o princípio ativo desses dois medicamentos, tendo a equipe buscado nos bancos de dados genômicos (cerca de 7 milhões de genomas) as variantes que existem dessa protease próximas ao sítio ativo – apenas 16. Cada uma dessas proteases foi produzida em laboratório no intuito de verificar como elas se comportam frente aos medicamentos.
Resistência
“Nesta pesquisa encontramos duas coisas muito interessantes. A primeira foi que algumas dessas variantes já em circulação parecem ser resistentes a um desses medicamentos, ou seja, podem comprometer a eficácia no tratamento da covid-19 por meio da geração de resistência”, sublinha Andre de Godoy.
“Além disso, observamos que uma mesma variante não parece ser resistente a ambos os medicamentos. Em virtude de os dois fármacos serem ligeiramente diferentes do ponto de vista estrutural, e aqui falamos do aspecto químico, esses dados podem indicar que a combinação dos dois fármacos possa ser uma boa maneira de evitar resistência”, diz o pesquisador.
A caracterização estrutural dessas variantes foi realizada através da técnica de cristalografia de raios-x, aplicada no acelerador de partículas Sirius, instalado no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas (interior de São Paulo). Dessa forma, os pesquisadores resolveram as questões relacionadas com as sete principais variantes que mostravam resistência aos medicamentos, o que permitiu compreender em um nível molecular o que provocava a resistência.
O pesquisador afirma que este é um trabalho bastante importante, enfatizando a parceria com o Sirius. Os resultados foram obtidos há cerca de seis meses. Em termos clínicos, através deste estudo, Godoy acredita que se abrem portas para que se possam realizar estudos e pesquisas que promovam a combinação destes dois medicamentos – ou de outros com as mesmas características – em um só, de forma que se evite a formação de linhagens resistentes.
“Vamos permanecer muito atentos a estas variantes resistentes de protease, embora elas não constituam uma preocupação ou ameaça em larga escala, por enquanto”, conclui. O estudo foi realizado no Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), sediado no IFSC e coordenado pelo professor Glaucius Oliva.