Jornal da Ciência, em 17/10/2012
Simpósio reúne especialistas que discutem soluções para os gargalos na inovação.
Um debate antigo, porém ainda não resolvido. Assim Glauco Arbix, presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), resumiu o tema do simpósio “Cientistas Nas Empresas – Transformando Conhecimento em Produtos com Valor Agregado”, que aconteceu ontem (16), no auditório do Instituto Luiz Alberto Coimbra de Pós -Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ). De acordo com alguns palestrantes, os obstáculos que atrasam a aproximação entre a academia e a indústria podem ser resumidos em uma palavra: burocracia.
O primeiro a citar o problema foi o diretor da Coppe, Luiz Pinguelli, que afirma que o Brasil está com “uma defasagem terrível” de inovação em relação à China, Coreia do Sul, Estados Unidos e Europa e que “falta coerência” às ações do Governo. “Todo mês chegam instruções obtusas de Brasília. Se as regras do serviço público vão se sobrepondo, o objetivo maior pode se inviabilizar”, reclama.
A opinião é compartilhada por Artur Roberto Couto, que foi ao evento contar a experiência da Bio Manguinhos, unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “O desafio maior não é inovar e sim vencer a burocracia. Não é só enfrentar a limitação de recursos, por exemplo, mas sim saber quando eles chegam”, opina. Ele conta que a Bio Manguinhos conseguiu aprovar um Projeto de Lei para a mudança do modelo jurídico da unidade, hoje uma autarquia, para empresa. “Se não nos transformarmos em empresa, estamos fadados à morte”, revela.
A alocação correta dos recursos também é fundamental, conforme recorda Arbix. Além disso, ele lembra que a academia enfrenta ainda resistência de algumas empresas, que insistem em comprar tecnologia de fora. “O corpo empresarial investe pouco nisso. É uma das razões para a fragilidade dessa relação. As grandes empresas inovam, mas as pequenas raramente contratam cientistas, exceto as que têm base tecnológica”, alega, afirmando que, no Brasil, menos de 700 empresas contam com área de P&D.
Harmonia – Jacob Palis, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que abriu o evento, destacou a necessidade de estabelecer uma “harmonia” entre a comunidade científica e as empresas, um dos objetivos do simpósio. “O País só pode progredir quando isso acontecer em larga escala”, destaca.
Arbix ressaltou que encontros como os de ontem são “fundamentais porque o Brasil tem pressa”. Ele lembra que instituições internacionais consagradas como o Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, “enfrenta problemas semelhantes” na tentativa de aproximar a academia das empresas. “No Brasil, a desigualdade é o principal obstáculo para se fazer boa ciência. Porém, ela está diminuindo”, ressalta, lembrando que o País alcançou o menor nível de desigualdade em 35 anos.
“Reduzir a desigualdade e melhorar a qualidade de vida da população é o meu objetivo ao fazer ciência”. Arbix sublinha que o Brasil só se consolidará na economia competitiva mundial “se conseguir ganhos efetivos e produtividade em ciência, tecnologia e inovação”. “Nossa dependência tecnológica é nosso calcanhar, joelho e ombro de Aquiles”, ataca.
O presidente da Finep compara também o envolvimento dos cientistas com empresas no Brasil com o de outras nações. Dados de alguns anos atrás afirmam que o País tinha cerca de 35% de pesquisadores na área industrial e que grande parte deles (quase 57%) ainda trabalhava na universidade. O resto era empregado por órgãos governamentais. Nos Estados Unidos, por exemplo, a proporção é bem diferente: quase 80% dos cientistas estão em empresas, enquanto cerca de 15% trabalham em universidades. “Desde os anos 1950, a inovação no Brasil foi concebida como subproduto do crescimento e não como pré-requisito do desenvolvimento. Essa é a questão de fundo”, resume.
Exemplos – Maurício Guedes, diretor do Parque Tecnológico do Rio e da Incubadora de Empresas da Coppe/UFRJ, instituição que tem como um dos objetivos aproximar cientistas e indústria, lembra que “a ciência não é importante apenas para os cientistas” e sim para “transformar conhecimento em riqueza, empregos e produtos inovadores”. O Parque Tecnológico da UFRJ conta hoje com 36 empresas, sendo 12 delas “grandes empreendimentos”, segundo Guedes. “Queremos atrair pelo menos uma centena mais de pequenas e médias empresas. Estamos vivendo um momento excepcional no Rio de Janeiro”, planeja.
Por sua vez, Gabriela Cezar, diretora do Brasil e América Latina de P&D, Inovação e Parcerias Estratégicas em Pesquisa da Pfizer, conta que a divisão latina não tem um orçamento específico e é encarada “de forma global”, lado a lado com outras unidades. A farmacêutica planeja investir nos próximos anos sete bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento, que são distribuídos de acordo com o aparecimento de projetos.
“Uma molécula descoberta no Brasil pode servir para beneficiar pacientes no mundo inteiro”, exemplifica, lembrando que a empresa reforçou seu objetivo em estabelecer alianças com cientistas e instituições brasileiras, como uma já existente com o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Entre as áreas de interesse estão a de medicina de precisão, a medicina regenerativa e o estudo de células-tronco tumorais (CTT). “Não vemos os mercados emergentes como mercados e sim como parceiros”, assegura.
Bio Manguinhos e CNPEM – Artur Roberto Couto, da Bio Manguinhos, revelou que, nos 36 anos de vida da instituição, muitas parcerias foram firmadas, com grandes empresas como a GSK e a Sanofi Pasteur. Hoje, a unidade da Fiocruz representa o segundo maior faturamento da indústria farmacêutica do País, com R$ 3,7 bilhões. Está centrada na produção de vacinas (exporta para mais de 70 países a de febre amarela e a meningocócica), de reativos de diagnósticos e biofármacos. A unidade criou um mestrado profissional em imunobiologia para atender às necessidades de produção, além de uma especialização, criando uma relação direta de transferência de conhecimento.
Outro exemplo brasileiro citado foi o do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), que gestiona os Laboratórios Nacionais de Luz Síncrotron (LNLS), de Biociências (LNBio), o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) e o de Nanotecnologia (LNNano). Carlos Alberto Aragão, diretor-geral do Centro, detalhou o trabalho de cada um e explicou que muitos projetos de empresas e universidades envolvem mais de um laboratório. Em 2011, o CNPEM teve quase mil propostas de pesquisa, sendo que 377 viraram artigos publicados.
Entre alguns parceiros recentes, Aragão destaca o Centre National de la Recherche Scientifique (França), o Centro Infantil Boldrini (para pesquisas em leucemia) e o governo argentino, mais especificamente no projeto Sirius. O Sirius foi comparado por Aragão a um “estádio de futebol”, devido a sua arquitetura moderna. “Só que nele os jogadores correm muito mais”, brinca o diretor, acrescentando que o investimento representará um “grande salto” para a pesquisa em Luz Síncrotron, já que proporcionará fontes de 3ª geração, “com mais brilho e nitidez”, entre outras vantagens.
Serão 13 linhas de luz, “podendo chegar a 60”. Hoje, o UVX é responsável por uma energia de 1,37 gigaeletronvolts (GeV). O Sirius chegará a 3,0, medição equivalente ao que é feito na França, com o Soleil, ou no NSLS (Estados Unidos) e Diamond (Reino Unido), com 3,0 cada. A construção, que deve ser concluída em cinco anos, custará R$ 650 milhões no total. Isso representará mais que a duplicação do orçamento anual do CNPEM nos próximos anos, que gira em torno de R$ 105 milhões, de acordo com o diretor.
(Clarissa Vasconcellos – Jornal da Ciência)