Projeto LabWeb, do laboratório Síncrotron, permite a usuários fazer medições em linhas de luz com economia de tempo e de custos
Revista Pesquisa Fapesp, em abril de 2014
No dia 8 de outubro de 2012 a professora Bluma Guenther Soares, do Laboratório de Misturas Poliméricas e Compósitos Condutores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), não precisou mudar em nada a sua rotina para fazer a análise de 100 amostras de polímeros em uma das linhas de luz, ou estações experimentais, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) em Campinas, no interior paulista, a 400 quilômetros de distância. “Na data e horário marcados, eu e uma aluna entramos na internet e, da minha sala, acessamos o equipamento em Campinas”, relata Bluma, sobre a experiência de ser a primeira a fazer pesquisas remotas pelo LabWeb. Uma pessoa no LNLS controla o experimento e os usuários conseguem ver os resultados em tempo real em um computador ou tablet. “Enquanto nas minhas experiências anteriores eu ia para o laboratório e ficava 24 horas sem dormir, para preparar as amostras, adaptar o feixe de luz e analisar no máximo 130 amostras, no acesso remoto o experimento com as 100 amostras começou às 13 horas e às 16 já estavam todas prontas”, diz Bluma.
“A grande vantagem da pesquisa remota para o usuário é a redução de custos em seus projetos de pesquisa”, ressalta Mateus Borba Cardoso, pesquisador do LNLS que coordenou os primeiros experimentos feitos remotamente. Além de fazer suas próprias pesquisas com nanopartículas para aplicação biomédica, Cardoso também tem entre suas tarefas acompanhar os usuários do laboratório em seus experimentos nas linhas de luz. Na manhã de 24 de fevereiro deste ano, por exemplo, ele acompanhou desde Campinas medições feitas por dois pesquisadores que estavam na Argentina. “Quem estiver passando pela linha no momento vai ver apenas as luzes acendendo e piscando e os motores se mexendo”, diz Cardoso sobre a experiência. Em relação aos gastos dos argentinos com as medições, ele resume: “Eles gastaram apenas uma postagem de correio”.
“Começamos com uma linha de luz operando de forma remota e hoje, após modificações necessárias no hardware, estamos com quatro linhas em atividade”, diz Harry Westfahl Junior, coordenador do Projeto LabWeb e diretor científico do LNLS. A previsão é de 7 linhas em operação até maio e 15 até o final do ano. Para fazer os experimentos basta ter um navegador com acesso à internet. Ao entrar na página daweb, o usuário consegue acessar os controles da linha de luz. O processo para a utilização da estação segue a mesma ordem das pesquisas presenciais, com submissão do projeto no site e aprovação. Nem todas as pesquisas com feixes de luz do síncrotron – equipamento usado para analisar as características microscópicas e atômicas dos materiais – podem ser feitas remotamente. Há restrição para a utilização de amostras sólidas para medidas em temperatura ambiente ou quando a pesquisa serve para estudar as reações do material.
Se o usuário escolher fazer a pesquisa remotamente, ele recebe pelo correio um suporte para as amostras que é enviado de volta. “Na data agendada, colocamos o porta-amostras na linha de luz e passamos o controle da estação experimental para ele”, explica Cardoso. Três câmeras acompanham tudo o que é feito na linha. Os pesquisadores conseguem movimentá-las a distância, ver as amostras, escolher quando fazer as medidas e por quanto tempo. “Eles controlam todo o experimento como se estivessem no próprio laboratório”, diz Cardoso. Atualmente, entre 10% e 15% dos experimentos realizados em uma das linhas para espalhamento de raios X a baixo ângulo são feitos remotamente. Em 2013 foram sete realizados a distância apenas nessa linha.
A tecnologia inicialmente utilizada no Labweb foi uma plataforma canadense de acesso aberto chamada Science Studio. “Esse sistema é a interface gráfica que permite a interação do usuário com os elementos gráficos”, diz Westfahl. O controle da linha de luz é feito pelo sistema Epics (sigla de experimental physics and industrial control system), um conjunto de ferramentas de software de código aberto desenvolvido pelo Departamento de Energia americano junto com laboratórios síncrotrons. “Uma parceria com a multinacional National Instruments do Brasil nos permitiu fazer desenvolvimentos inéditos no uso de controle com essa plataforma”, relata Westfahl. “É um sistema novo que vai ser utilizado por outros síncrotrons do mundo.” O projeto LabWeb foi feito em parceria com a Rede de Nanotecnologia da Petrobras, responsável pelo financiamento de R$ 3 milhões da pesquisa, que envolveu desde a prospecção da tecnologia até o projeto de modificação da plataforma canadense e mudanças nohardware.
Ampliar o tempo
Hugo Henrique Slepicka e Márcio Alexandre Barbosa, engenheiros de computação, foram contratados pelo LNLS para trabalhar integralmente no projeto. “Inicialmente aprendemos como a plataforma Science Studio funcionava para que ela pudesse ser aplicada às necessidades do laboratório em experimentos remotos e procuramos entender as necessidades dos usuários dos feixes de luz”, diz Slepicka. O sistema criado por eles utiliza cliques no computador, em vez de comandos, para operar o sistema remotamente. “A chance de erros é muito menor do que quando é preciso digitar comandos”, diz. A partir do momento que a amostra preparada é colocada no feixe de luz e as medidas são feitas, todos os dados são pré-processados e disponibilizados para o usuário. Em algumas linhas de luz os gráficos são vistos em tempo real.
No caso de um professor acompanhar o experimento de um aluno, ele pode, se necessário, sugerir mudanças nas medidas aplicadas. Slepicka ressalta que a pesquisa remota, além de diminuir o custo de projetos, ajuda a ampliar o tempo útil de utilização da linha de luz. Isso porque quando o usuário faz as medições das amostras em Campinas ele tem que selecioná-las e prepará-las, para só depois fazer as medições. “Já no experimento remoto elas entram no feixe de luz preparadas e prontas para serem medidas”, explica. Todas as tecnologias empregadas no projeto – como o desenvolvimento de algoritmos para trabalhar com o grande volume de dados gerados nas pesquisas e a sua visualização, além do armazenamento de forma compacta das informações obtidas – são abertas. “Outros síncrotrons podem se beneficiar do que estamos fazendo aqui, inclusive o do Canadá”, diz Slepicka.