Empresas acreditam que criar e fornecer componentes a projeto científico as credencia no exterior
Valor Econômico, em 30/01/2014
Um dos mais importantes projetos científicos do país está atraindo empresas interessadas em fazer parte de sua rede de fornecedores. A construção de um novo acelerador de partículas de luz síncrotron, em Campinas, chamado de ‘projeto Sirius’, envolve o desenvolvimento de componentes sob medida e, na maioria das vezes, exclusivos. Ao entrar em um projeto raro, de alta tecnologia e de tão rigorosas especificações técnicas, as empresas acreditam que poderão abrir as portas do fornecimento a outros aceleradores deste tipo no mundo, ficarão credenciadas a atender outros clientes exigentes, como os do setor aeroespacial e de plataformas de petróleo, além de obter conhecimentos com a troca de informações com cientistas de fora da companhia, podendo criar novos produtos e processos.
Termomecanica, Aperam – do grupo ArcelorMittal -, WEG , FCA, Opto e Exa-M são alguns dos nomes que ou já estão confirmados como fornecedores do Sirius ou manifestaram interesse e estão com suas propostas em avaliação. Pelo menos 20 companhias devem formar a rede de fornecedores, segundo o diretor-geral do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), Antonio José Roque.
O Sirius é considerado um projeto estruturante, de grande impacto para o país. Por conta disso, Roque diz que ele tem entre seus principais objetivos incentivar a participação de empresas nacionais para que os ganhos desse desenvolvimento tecnológico fiquem no país. “Para nós, não há só ganho em ajudar o país dentro deste espírito de projeto estruturante como também é muito melhor ter um fornecedor aqui do lado, com quem você possa conversar, do que muitas vezes ter fornecedor lá fora”, disse.
O Brasil entrou para a lista de países que possuem pelo menos um laboratório de luz síncrotron em 1997, quando o primeiro e único acelerador deste tipo na América Latina foi inaugurado em Campinas. Até agora, ele manteve-se como o único na região. A construção de um segundo laboratório deste tipo, previsto para iniciar em março, também em Campinas, no entanto, colocará o país em outro patamar: será detentor de um dos mais importantes síncrotrons do mundo. Previsto para estar concluído em 2016, o Sirius será similar ao Max IV, considerado um dos melhores síncrotrons em construção hoje, localizado na Suécia.
O Sirius está orçado em R$ 650 milhões, segundo o LNLS. A estruturação financeira para o aporte desses recursos não está ainda fechada. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) já gastou até agora R$ 130 milhões e tem sido o principal agente financeiro do projeto, mas há negociações com empresas do setor de petróleo e gás, como a Petrobras, para que também aportem recursos, uma vez que poderão usar o Sirius para pesquisas relacionadas ao pré-sal. Há também negociações com fundações de pesquisa estaduais e com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A Petrobras foi procurada, mas não se pronunciou. O BNDES está em tratativas, mas ainda não tem uma posição.
O secretário-executivo do MCTI, Luiz Elias, diz que o Sirius segue a tendência de se construir conhecimento em rede, unindo setores público e privado. Segundo ele, a operação com parceiros para financiar o projeto não ocorre por falta de verba do ministério. As parcerias, segundo ele, são um “processo natural” porque, de um lado, há interesse do MCTI em construção de estruturas que estejam em um “padrão de conhecimento internacional invejável”. De outro, há empresas que necessitam deste tipo de laboratório para inovar. No caso das de petróleo e gás, há tratativas para que a verba colocada no Sirius faça parte dos recursos obrigatórios por lei a serem destinados a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) no país.
O Valor visitou o síncrotron de 1997 e a área de construção do Sirius. O síncrotron em operação é um grande túnel fechado com um concreto especial e na forma de um anel. Elétrons próximos à velocidade da luz aceleram dentro de um tubo de aço protegido por esse concreto por fora. Ao terem sua trajetória desviada por ímãs especiais, elétrons emitem uma radiação eletromagnética. Essa radiação, a luz síncrotron, permite uma análise minuciosa de átomos que compõem a matéria e auxilia cientistas em análises de materiais como cimento, vidro, polímeros, sementes e proteínas.
A base de operação do projeto Sirius é similar à do síncrotron de 1997. Trata-se também de um túnel em formato de anel, mas ele representa um importante avanço tecnológico, sendo um síncrotron de terceira geração enquanto o de 1997 é um exemplar de segunda geração. Isso significa que o Sirius, por exemplo, produzirá feixe de fótons até 1 bilhão de vezes mais brilhante do que o produzido no anel atual, permitindo uma melhor aproveitamento nas pesquisas. Além disso, ele será bem maior: o diâmetro do seu anel será de 165 metros contra 30 metros do síncrotron de 1997.
Diversas empresas usam aceleradores de partículas de luz síncrotron para estudos de fármacos, microeletrônica, petroquímica e cosméticos. Um dos mais famosos aceleradores/colisores no mundo é o LHC, próximo à Suíça, com anel de 27 quilômetros de extensão, conhecido por auxiliar na descoberta do bóson de Higgs, em 2012.
Por ser um projeto único no Brasil, é difícil encontrar material já pronto nas prateleiras das fornecedoras que poderiam servir ao Sirius. A Aperam, entre as empresas ouvidas pelo Valor, foi a única que informou que os aços elétricos que fornecerá já fazem parte de seu portfólio há cerca de cinco anos. As demais têm operado com troca de informações entre os pesquisadores do LNLS e os seus próprios pesquisadores para criar os componentes. Isso ocorre geralmente nas matrizes, sem a necessidade de que elas se instalem fisicamente próximas ao Sirius.
“Quem fornece a um projeto dessa envergadura está apto para oferecer a muitos outros”, acredita Paulo Cezar Pereira, gerente de vendas e marketing da Termomecanica. Além da possibilidade de vir a fornecer para síncrotrons no exterior, Pereira diz que há similaridades no fornecimento das ligas especiais de cobre que fará para o Sirius com materiais voltados ao setor aeronáutico, de submarinos, plataformas de petróleo e navios petroleiros, podendo conquistar novos clientes. A Termomecanica já investiu R$ 200 mil nas pesquisas para o Sirius.
O projeto pode render desdobramentos similares para a Opto Eletrônica, com 150 funcionários, sediada em São Carlos (SP) e especializada em óptica e eletrônica, e para a Aperam, de Minas Gerais.
“Com o fornecimento para esse projeto, pode ser que facilite [a fabricação de itens para o setor aeroespacial, por exemplo] pelo know-how que se adquire, pelas pessoas que a gente vai treinar e pelo maquinário”, ressalta Rafael Ribeiro, físico de desenvolvimento da Opto. A empresa, que já forneceu componentes para a Força Aérea Brasileira (FAB), está definindo o orçamento para o Sirius e o vê como um desafio pela necessidade de domínio de técnicas de fabricação de espelhos de alta qualidade e por ser preciso criar uma infraestrutura de metrologia óptica para caracterização de sistemas e outros tipos de componentes ópticos para raios-x e UV usados nas linhas de luz do Sirius.
“Este projeto ajuda a indústria nacional porque mostra que ela é bem capacitada tecnicamente e que podemos sair da classificação de um país que [só] produz commodities ou itens de baixo valor agregado”, reforça o gerente comercial de aços elétricos da Aperam, Airton de Carvalho.
O desenvolvimento para o Sirius levou a WEG a criar uma área especial na sua sede, em Jaraguá do Sul (SC), para a fabricação de eletroímã, equipamento que guia a trajetória dos elétrons, que pela primeira vez ela produzirá. Pesquisadores têm viajado constantemente entre Campinas e Jaraguá do Sul. A WEG não revela os investimentos, mas finalizou recentemente os protótipos. Inicialmente, chegou a negar sua entrada no projeto porque o eletroímã não era um produto existente no seu portfólio. Mas executivos da empresa mudaram de ideia após visitar o LNLS e perceber que a WEG possuía estrutura de fábrica e de equipamentos para essa produção, além de parte do conhecimento teórico necessário, pois em muitos dos seus produtos o fundamento do eletromagnetismo, usado no eletroímã, estava presente. “Fiquei impressionado positivamente. É um projeto ultrassofisticado”, destacou Antonio Cesar da Silva, diretor de marketing corporativo da WEG.
A WEG decidiu participar não por expectativas de que o Sirius trará reflexos imediatos na sua receita, mas por mantê-la em contato com uma alta tecnologia e com cientistas de alto nível, isso por si só pode criar desdobramentos positivos no longo prazo. Ao produzir algo tão “fora da curva”, a empresa também entendeu que poderia ter uma auto-avaliação do seu departamento de P&D. “Era um excelente oportunidade para isso. De vez em quando, uma empresa que investe constantemente em P&D tem que tirar a prova dos nove e fazer algo muito difícil”, diz.
Para angariar fornecedoras ao projeto, além de convites do LNLS para algumas que detinham ‘expertise’ em determinados materiais, um workshop foi realizado em 2013 para explicar as necessidades do projeto a empresas para que apresentassem no futuro propostas.
Entre as firmas de pequeno porte que já manifestaram interesse está a Exa-M, de Salvador. O coordenador de P&D da Exa-M, Paulo Gomes, ajudou na construção do síncrotron de 1997 e agora pretende ser fornecedor de um instrumento para monitoração e controle de temperatura das câmaras de ultra-alto-vácuo do Sirius. Apesar de ter menos de 10 funcionários, Gomes também acredita em desdobramentos no mercado internacional a partir do Sirius. Diz que já há contato com pesquisadores franceses. “O Sirius é considerado pela comunidade mundial uma fonte síncrotron de altíssimo nível. Está sendo projetado para concorrer entre os melhores do mundo. Se a gente for fornecedor de uma fonte dessa qualidade, com certeza haverá projeção no mercado internacional”, acredita.
Para outra empresa pequena, a FCA, de Campinas, fabricante de câmaras de ultra-alto vácuo e componentes para vácuo, o Sirius significa crescimento da sua estruturura no país e também abertura de possibilidades no exterior. Daniela Arroyo, diretora administrativa da FCA, estima que a empresa passará de 13 para 30 funcionários a partir dos desdobramentos do Sirius e poderá fazer a sua primeira exportação. A empresa, que não revela os investimentos feitos até agora para o projeto, está em tratativas de fornecimento para um acelerador também no Canadá.
O síncrotron atual e o antigo são geridos por uma Organização Social, o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). O Centro é uma entidade privada, sem fins lucrativos, e pode receber recursos públicos a seus projetos, desde que sejam de interesse da comunidade. A organização foi qualificada pelo MCTI para gerir quatro laboratórios nacionais, entre eles o LNLS. O acelerador é aberto a usuários (pessoas físicas e jurídicas) para realização de pesquisas. Há uma cobrança quando feitas por empresas (cerca de R$ 15 mil/dia), mas não sobre as pesquisas acadêmicas, que passam antes por avaliação de comitê externo.
O acelerador em operação hoje continuará ativo, mesmo com a chegada do Sirius. O de 1997, segundo pesquisadores, possui algumas limitações que o Sirius não terá.