Veja, 7 de novembro de 2017
Entre outros assuntos, foram debatidos o corte de verbas para pesquisas científicas e os grandes projetos em desenvolvimento no país
O Roda Viva temático desta segunda-feira debateu a importância da ciência e da tecnologia para o desenvolvimento do país e as consequências do corte de verbas para pesquisas científicas feito há poucos meses pelo governo federal. A bancada reuniu Alicia Juliana Kowaltowski (professora do departamento de Bioquímica da USP), Antonio José Roque da Silva (diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron e do Projeto Sirius), Carlos Henrique de Brito Cruz (diretor científico da Fapesp), Mayana Zatz (diretora do Centro de Pesquisa do Genoma Humano e Células-tronco do Instituto de Biociências da USP) e Paulo Saldiva (médico patologista especialista em poluição e doenças respiratórias). Confira trechos do debate:
“Os países que saíram bem de crises econômicas foram justamente aqueles que investiram em ciência, porque ela traz desenvolvimento. E é importante conversar com os cientistas para saber onde o dinheiro deve ser investido. Hoje, no Brasil, ninguém está pedindo aumento de salário. Estamos reivindicando dinheiro para fazer ciência, para trabalhar mais. Também falta incentivo e isenção fiscal para empresas que investirem em pesquisa”.
“No programa Ciência sem Fronteiras, os estudantes enviados para fora foram muito mal selecionados. Não havia nenhum critério, bastava enviar os documentos necessários. Acabou sendo um programa populista feito por políticos”.
Antonio José Roque da Silva
“O Sirius é um projeto prioritário para o país e, como está no PAC, não sofreu tanto com o corte de recursos do ministério. Estamos conseguindo manter o cronograma. É um trabalho de décadas, que permitiu o treinamento de jovens e o desenvolvimento de tecnologia. Isso nos colocou num patamar que possibilitou a construção de um equipamento que está entre os mais modernos do mundo”.
“O Sirius está gerando tecnologia de ponta junto a empresas brasileiras, que desenvolvem produtos que não encontramos em nenhum outro lugar do mundo. Ele é um projeto para a sociedade brasileira. Quando estiver concluído haverá um monte de cientistas internacionais fazendo fila para usar essa máquina. O problema é que, se os pesquisadores brasileiros não estiverem preparados, só haverá estrangeiros nessa fila”.
Carlos Henrique de Brito Cruz
“A ciência e a tecnologia desenvolvidas no Brasil nos últimos 50 anos permitiram que o país se transformasse no celeiro do mundo. Também temos a 4º principal indústria aeronáutica do mundo e somos os únicos que, com o etanol, conseguiram uma alternativa viável ao petróleo. Esses são apenas alguns exemplos que mostram como a ciência e a tecnologia criadas aqui e desenvolvidas por brasileiros fizeram do Brasil um lugar melhor”.
“É essencial haver continuidade e previsibilidade dos financiamentos. Isso é mais válido que a abundância dos recursos. Também é importante que haja autonomia das organizações para usarem critérios que determinem o que é competitivo mundialmente. Não é só mais dinheiro. É dinheiro e critérios. Hoje, o investimento do governo estadual é um pouco menor que o dobro do feito pelo governo federal”.
Mayana Zatz
“Muitos cientistas brasileiros mudam para os Estados Unidos ou para a Europa, onde existe uma maior garantia de salário e facilidade para conseguir insumos e reagentes para as pesquisas. O que nos outros países você consegue de um dia para o outro, no Brasil leva meses. Os reagentes que importamos são conhecidos. Por isso, precisamos de um voto de confiança”.
“São Paulo é uma bolha no universo científico brasileiro. Alunos do Nordeste contam que o laboratório deles está destruído. Para incentivar o jovem a gostar de ciência é essencial ter um laboratório já na escola, o que infelizmente ainda é raro no Brasil. Pensando nisso, criamos um projeto que distribuiu mais de cinco mil kits de ciência para que as crianças aprendessem brincando. O certo seria distribuir um milhão de kits. Esse é um projeto que vale a pena ser retomado”.
Paulo Saldiva
“Para ser um país competitivo na área de ciência e tecnologia, o Brasil precisa de recursos humanos qualificados. O jovem hoje vê o corte de recursos e pensa que não terá futuro. Ou sai do país ou vai para outra área. Demora muito tempo para recuperar o prejuízo causado pela falta de confiança de um jovem. É uma pena que isso esteja acontecendo”.
“O Brasil não está na UTI da ciência, mas poderá estar. O estado de São Paulo, que investe bastante em pesquisa e desenvolvimento, não é parâmetro para o resto do país. Em muitos locais é imprescindível não apenas um investimento maciço do governo federal, mas formas de manter os cientistas nesses lugares”.
Com desenhos em tempo real do cartunista Paulo Caruso, o programa foi transmitido pela TV Cultura.
Repercussão: Poliarquia