Info Exame em 05/08/2014
Em Campinas (SP), bem perto do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), onde trabalho como pesquisadora, milhares de famílias vivem em favelas e não têm acesso a uma educação de qualidade, como outros milhões de brasileiros. O país tem melhorado, mas ainda há uma geração de jovens que não terá a oportunidade de estudar e, um dia, se tornar cientistas ou engenheiros e criar novas ideias, que poderiam mudar o mundo.
Sei dos problemas enfrentados por nossa educação e que maiores salários e investimentos em infraestrutura são imprescindíveis. Também falta interesse dos alunos. Mas como engajá-los?
Em 2011, comecei em Campinas um projeto de educação não formal para aproximar crianças e adolescentes carentes de temas ligados à biotecnologia e, assim, aumentar o interesse pela ciência e por aprender. Com apoio do LNBio e do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e auxílio inicial da Science House Foundation, de Nova York, que doou um conjunto de microscópios digitais, montei um minilaboratório de ciências numa das sedes da Associação Anhumas Quero-Quero, que oferece atividades e apoio a cerca de 300 jovens de regiões desfavorecidas. Cerca de 120 alunos participaram das atividades nos últimos dois anos.
A atividade já é parte da rotina semanal da ONG. Os jovens aprendem como pensam os cientistas, como usar as ferramentas de pesquisa e como comunicar o que estão vendo. Eles tiram fotos incríveis com os microscópios digitais. São imagens de plantas, insetos, da própria pele e cabelo. Isso tudo gera conversas produtivas sobre DNA, câncer, gravidez, drogas e questões do meio ambiente. Vários jovens ajudam como monitores, e isso vem gerando um aumento considerável em sua autoestima.
Com os educadores da ONG, os alunos são incentivados a escrever sobre o que aprendem. Muitos têm sérias dificuldades com a escrita, além de problemas de disciplina e de falta de interesse pela escola. O trabalho tem ajudado a mudar isso e gera um avanço impressionante, como mostram os registros das próprias escolas: 80% das crianças e dos adolescentes começaram a gostar de estudar depois que participaram do projeto. Um dos alunos teve, no semestre, um salto de nota 5 para 8 em ciências, e outro, com sérios problemas de atenção na escola, é um de nossos monitores mais aplicados.
Em fevereiro de 2014, fui convidada a falar sobre esse trabalho no Solve for X, do Google, na Califórnia. Esse evento anual reúne pessoas de diversas áreas que sugerem soluções visionárias para problemas do planeta.
Meu trabalho não é novo. A cientista polonesa Madame Marie Curie (1867-1934) já fazia isso. E o primeiro microscópio de brinquedo foi lançado nos Estados Unidos em 1934, para incentivar o interesse pela ciência. Também acredito que os cidadãos têm direito e precisam saber o que é feito nos laboratórios de pesquisa, tanto para poder apoiar quanto para fazer melhores escolhas em seu dia a dia.
Nunca foi tão fácil aprender qualquer coisa: temos acesso gratuito a todo conhecimento já gerado pela humanidade. A diferença, acredito, somos nós. Pessoas como eu e você, leitor da INFO, que se interessam por tecnologia e acreditam em mudanças. Depende de cada um de nós fazer o que está a nosso alcance para despertar a curiosidade e incentivar a arte de fazer perguntas.
Ana Carolina Zeri, 42 anos, é pesquisadora do LNBio/CNPEM, em Campinas (SP). Formada em física pela USP, é doutora em química e bioquímica pela Universidade da Califórnia, San Diego.