24/02/2010 – Jornal da Ciência
Visando a substituição de maneira ecológica de 10% da gasolina consumida no mundo no ano de 2025, o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), localizado no Pólo II de Alta Tecnologia, em Campinas, inaugurado em janeiro passado, tem como uma de suas metas o desenvolvimento e a inovação do ciclo do etanol para produção, em larga escala, o chamado álcool de segunda geração – obtido a partir da celulose – considerado o combustível do futuro.
Segundo o coordenador do CTBE Marco Aurélio Pinheiro de Lima, que é também professor do Departamento de Eletrônica Quântica do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp, “para conseguir esse desenvolvimento, construímos inicialmente cinco programas de pesquisa que irão realizar aprofundamentos científicos nas áreas agrícola, industrial, de avaliação tecnológica, científica e de sustentabilidade do bioetanol de cana-de-açúcar”. A criação do laboratório foi motivada por um estudo coordenado pelo professor e pesquisador do Núcleo de Planejamento Energético (Nipe) da Unicamp, Rogério Cezar Cerqueira Leite.
O trabalho revelou que havia gargalos em um cenário que projeta o Brasil como fornecedor de etanol para substituir a gasolina consumida em 2025, e que questionava se seria possível fazer esse tipo de escalonamento. “O resultado final do chamado Projeto Etanol apontava que, entre as ações necessárias à produção dos 250 bilhões de litros anuais de etanol (cerca de 10 vezes a produção atual), estava a necessidade de aprimorar a ciência e a tecnologia ligadas aos principais gargalos produtivos do etanol de cana”, explica Pinheiro de Lima.
O coordenador do laboratório afirma que o Brasil deve ser considerado um país desenvolvido em tecnologias voltadas para o etanol. “Possuímos a maior indústria de produção de álcool de cana do mundo. Cerca de 90% dos carros vendidos atualmente são flex fuel. Nossa tecnologia de produção de etanol de primeira geração é reconhecida em todo o mundo”, afirma. Porém, de acordo com ele, é preciso focar nos cientistas brasileiros para importantes gargalos tecnológicos, caso contrário o Brasil poderá acabar refém de tecnologias estrangeiras.
“Depois que o assunto passou a fazer parte da agenda científica e política de grandes potências mundiais, o Brasil precisou e precisa responder à altura”, afirma. Ele lembra ainda que é preciso criar clusters de usinas e destilarias de álcool em novas regiões do país, gerando emprego e renda nessas áreas. Falta também criar uma infraestrutura eficiente de escoamento da produção de etanol, visando a exportação em larga escala desse produto. “Tudo isso, sem esquecer da elaboração de modelos de sustentabilidade para o setor, algo imprescindível para
inserir o etanol brasileiro em mercados internacionais como EUA e Europa”, completa.
O CTBE pretende atuar de forma integrada com outras instituições externas e o setor produtivo, o que pode trazer resultados científicos mais rapidamente. “Com isso, esperamos economizar recursos (investindo em áreas carentes de aprofundamento científico) e obter resultados significativos em menos tempo. Grande parte do nosso financiamento vem de recursos públicos, o que faz com o país ganhe muito com uma ação como esta”, analisa. De acordo com Cerqueira Leite, a proposta de laboratórios nacionais interligados é o modelo mais viável economicamente para a produção científica.
“Constitui, sem dúvida, um grande avanço, não só por causa da interação, mas também pelo fato de serem laboratórios nacionais. A ideia é excelente, não somente pelo fato de produzir uma grande sinergia entre diversas instituições e diferentes atividades específicas da ciência, mas também porque é extremamente econômico”, afirma. O laboratório é ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), tendo como investimento inicial cerca de R$ 69 milhões. A inauguração do novo Centro foi realizada no dia 22 de janeiro, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Estiveram presentes na inauguração autoridades como Dilma Rousseff, ministra chefe da Casa Civil, José Serra, governador do estado de São Paulo, Sérgio Resende, ministro de C&T, Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, entre outros convidados e autoridades.
O que é o etanol de celulose?
A matéria vegetal (fonte) deste tipo de etanol é composta totalmente por hemicelulose, lignina e lignocelulose que precisam ser quebrados para sofrerem a fermentação. Primeiramente, é preciso desestruturar o bagaço da cana e fazer com que a lignina (uma espécie de cola) se solte. Depois disso, a celulose é submetida ao processo de hidrólise, decomposição em que se utiliza uma substância química aquosa, em açúcares. Nesta etapa, pode-se utilizar ácidos (hidrólise ácida) ou enzimas (hidrólise enzimática). Como resultado da hidrólise, o bagaço da cana se transforma principalmente em glicose, que então são fermentados produzindo o álcool (leia mais sobre o tema na reportagem “Tecnologia pode dobrar produção”).
Planta Piloto para Desenvolvimento de Processos
O CTBE já conta com a tecnologia da Planta Piloto para Desenvolvimento de Processos (PPDP) que, por ser economicamente viável, promete ganhos ao setor. Somente a hidrólise do bagaço da cana-de-açúcar, por exemplo, poderá ocorrer um aumento de 40% na produtividade da conversão em biomassa, com relação aos padrões atuais. Inicialmente, a PPDP do laboratório será constituída por seis módulos de processos: tratamento físico do material lignocelulósico; tratamento físico-químico do material lignocelulósico; produção de microrganismos (fungos, leveduras e bactérias); hidrólise enzimática; extração e purificação; fermentação alcoólica. Deve-se ressaltar que a Planta Piloto permite o desenvolvimento de estudos com a finalidade de avaliar o desenvolvimento técnico, econômico e ambiental dos processos.