USP Online, em 22/01/2014
100 anos atrás, o alemão Max von Laue recebia o prêmio Nobel de Física pela descoberta da difração dos raios-X em cristais, fato que marcaria o nascimento da cristalografia moderna. Embora pouco conhecida pelo grande público, o estudo da estrutura dos materiais em nível atômico permeia nosso cotidiano de diversas formas, influenciando, por exemplo, o desenvolvimento de medicamentos, a criação de novos materiais e o avanço da nanotecnologia.
“As aplicações são muito diversas. Trata-se da técnica mais poderosa já descoberta para caracterizar as estruturas da matéria, por isso tem um impacto tão grande em tantas áreas. Essa é a grande graça da cristalografia”, afirma o professor Richard Garratt, coordenador do Grupo de Cristalografia do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP.
O reconhecimento da importância dessa área veio com a indicação da Organização das Nações Unidas (ONU), que tornou 2014 o Ano Internacional da Cristalografia. A cerimônia de abertura do Ano Internacional aconteceu nesta semana, nos dias 20 e 21 de janeiro, em Paris (França), e contou com a presença do cristalógrafo Glaucius Oliva, professor do IFSC e presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O campus da USP na cidade conta ainda com outro Grupo de Cristalografia, que atua no Instituto de Química de São Carlos (IQSC).
“A cristalografia é a área da ciência que mais tem prêmios Nobel, permeando biologia, química e física”, conta Marcia Fantini, coordenadora do Laboratório de Cristalografia do Instituto de Física (IF) da USP, e que também esteve na abertura do evento na capital francesa. Segundo o documento da ONU que oficializou a decisão pelo ano dedicado à cristalografia, 23 cientistas da área estão entre os laureados.
Desvendando a matéria
A cristalografia é o estudo de como os átomos se arranjam dentro de estruturas. Trata-se de uma área que exige sólidos conhecimentos básicos, mas que, em geral, está sempre associada à sua aplicação prática. No laboratório coordenado por Marcia Fantini, esses conhecimentos estão sendo utilizados para determinar a dieta mais adequada para pessoas que tiveram pedra no rim. Após a retirada da pedra do paciente, a pesquisadora utiliza a técnica da difração de raio-x para saber a composição da amostra. Combinando a difração com técnicas complementares, é possível identificar o tipo e quantidade de elementos químicos presentes na pedra, permitindo ao médico saber o que levou à sua formação e indicar uma dieta que evite a reincidência do problema.
No IFSC, entre outros estudos, são desenvolvidos projetos de inovação tecnológica em parceria com empresas do ramo farmacêutico. A cristalografia de proteínas, uma das áreas a que o grupo se dedica, permite o desenvolvimento de fármacos com menos efeitos colaterais, por tornar sua ação mais específica, ou seja, permite aperfeiçoar a molécula para que ela se encaixe da melhor forma na proteína que está causando determinada doença. A ação de um antibiótico, por exemplo, baseia-se em sua ligação com uma proteína da bactéria, inibindo-a. No entanto, ele pode ligar-se também a outras proteínas importantes do organismo, causando os chamados efeitos colaterais.
Outro estudo envolvendo a área da saúde está em desenvolvimento no Laboratório de Cristalografia do IF, relacionado à produção de vacinas. Segundo Marcia Fantini, a ideia é que todas as vacinas que são injetáveis possam também ser administradas por via oral, o que facilita, por exemplo, o transporte a lugares distantes, como a região amazônica. Para isso, são estudados polímeros que, em solução, formam estruturas cristalinas, às quais é agregado silício. Após um tratamento térmico, o material torna-se um sistema de poros ordenados que permite que o antígeno presente na vacina chegue até o sistema imunológico, pois a sílica o protege durante a passagem no trato digestivo. Os métodos cristalográficos são utilizados para determinar se os poros estão adequados à finalidade desejada. Este trabalho, que conta com investimento privado, tem a parceria do Instituto Butantan.
Parcerias
As parcerias estabelecidas para a realização das pesquisas na área também acontecem em relação aos equipamentos. Frequentemente os grupos da USP recorrem ao Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, ou mesmo a laboratórios fora do país, caso o estudo exija outros tipos ou intensidade de radiação.
“Estamos o tempo todo fazendo projetos não só para comprar fontes de raio-x mais modernas, mas também acessórios que permitam fazer um conjunto de medidas cada vez mais amplas”, conta a coordenadora do Laboratório de Cristalografia no IF. Segundo Fantini, estudiosos de todo o país utilizam os equipamentos do laboratório para fazer experimentos.
A pesquisadora espera que o Ano Internacional dê um impulso à área. “Há uma demanda imensa por cristalógrafos”, conta.
Eventos
A programação oficial de eventos associados ao Ano Internacional da Cristalografia pode ser conferida nesta página. Confira alguns dos eventos que contam com a colaboração da USP:
Structural and biophysical methods for biological macromolecules in solution
Data: de 19 a 26 de janeiro
Local: Instituto de Física (IF) da USP
Informações: https://events.embo.org/14-macromolecule
Macromolecular Crystallography School 2014
Data: de 8 a 16 de abril
Local: Instituto de Física de São Carlos (IFSC)
Informações: https://www.if.sc.usp.br/mx2014
IYCr2014 Latin American Summit meeting on Biological crystallography and complementary methods (Campinas)
Data: 21 a 24 de setembro
Local: Laboratório Nacional de Luz Síncrotron
Informações: https://www.iycr2014.org/summits