Jornal da Cidade (Bauru), em 16/02/2014
Cientista Ana Carolina Zeri apostou no estudo e se tornou referência internacional por projeto com jovens carentes
As crianças são o futuro do mundo. A frase parece clichê, mas para a cientista Ana Carolina de Mattos Zeri, 42 anos, tem um sentido profundo e verdadeiro. Recentemente, a ex-aluna do Colégio Técnico Industrial (CTI) de Bauru teve o seu trabalho de biotecnologia com crianças carentes reconhecido mundialmente, depois de ter sido convidada pelo Google a participar do fórum Solve for X (Resolva o X), nos Estados Unidos (leia mais abaixo).
A história dela começou em Amparo (SP), onde morava com os pais Célio e Rachel de Mattos Zeri (falecida) e os irmãos Débora, Luiz Marcelo e Marco Aurélio. Sempre muito curiosa, certo dia o seu pai abriu um despertador e deu algumas peças a ela.
“Eu me lembro que achei muito legal, queria saber como funcionava. Nesta época a minha avó adorava ouvir um rádio que nós tínhamos. Um dia esse rádio parou de funcionar e eu resolvi procurar o defeito. Abri o rádio e descobri um fio solto. Fiquei muito feliz. Eu tinha uns 9 anos e acho que foi a primeira experiência que me despertou para a ciência”, contou Ana Carolina, em entrevista ao JC.
Pouco tempo depois, seu pai, que trabalhava como técnico agrícola, foi transferido para o antigo Instituto Penal Agrícola (IPA) de Bauru. Todos os filhos estudaram em escola pública, e com Ana não foi diferente.
“Eu estudei no Guedes de Azevedo, assim como os meus irmãos, e depois consegui uma vaga no Colégio Técnico Industrial (CTI). Escolhi cursar eletrônica e tinham poucas matérias do ensino médio na grade. As disciplinas eram mais direcionadas à eletrônica”, relatou.
O futuro
Aluna dedicada, ela já via a ciência com olhos diferentes. Foi monitora, bolsista, trabalhou no laboratório do colégio e fez seis meses de estágio na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Quando voltou a Bauru para fazer o cursinho pré-vestibular, conseguiu um emprego no qual consertava impressoras. Trabalhar e estudar nunca foram problema, mas sim objetivo.
Estudos e dedicação resultaram em mais um sonho realizado: cursar física na Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos, onde conseguiu bolsa, concluiu seu ensino superior e ainda fez mestrado em física (São Carlos), química e bioquímica (na Pensilvânia-EUA). Fez doutorado em química (Califórnia) e pós-doutorado em biofísica e bioquímica em Nova Iorque.
Pequenos cientistas
“Alfabetizando com tecnologia”. Esse é o nome do projeto criado por Ana Carolina Zeri para que as crianças carentes tenham um contato direto com a ciência e, assim, se interessem pela ampla e curiosa área de conhecimento.
Há pouco mais de dois anos ela resolveu expandir os seus estudos para eles, os pequenos da periferia de Campinas.
“Aqui existem muitas favelas e eu ficava pensando: como mudar o futuro dessas crianças, que estão inseridas em um mundo sem conhecimento, com drogas? Algumas pessoas que moram em condomínios de luxo rodeados pelas favelas também queriam ajudar a mudar esse cenário. Então comecei a me movimentar. Com muitas doações, a ajuda de uma fundação americana e o apoio do Laboratório Nacional de Biociências, onde trabalho, compramos materiais e montamos um laboratório dentro da ONG Associação Anhumas Quero-Quero, que fica dentro de um parque da cidade”.
Desde então, 150 crianças e adolescentes, com idades entre 6 e 17 anos, descobriram um novo olhar sobre o mundo, tornando-se pequenos cientistas.
“Eu quero que eles tenham outro olhar sobre o mundo, sobre a realidade de vida deles. Eles visualizam a própria pele e cabelo no microscópio e percebem que são geneticamente iguais. Ainda quero ampliar o projeto, separando mais horas das minhas semanas para fazer visitas em escolas”.
Filha exemplar
O pai de Ana Carolina, Célio Zeri, 73 anos, ainda mora em Bauru, no Jardim Marambá. Nesta semana ele falou com a reportagem e lembrou com ternura a trajetória da filha.
“Ela é uma filha exemplar, muito dedicada. Gostava muito de estudar. Cursou eletrônica e disse que ia estudar física porque era a mãe de todas as ciências”.
Quando o assunto é “filhos”, Célio é só orgulho. “Tenho quatro filhos e não posso dizer qual é melhor”, disse, aos risos. “Consegui encaminhá-los bem. A Ana é cientista, a Débora é advogada e trabalha em um banco, o Luis Marcelo é físico e o Marco Aurélio é sargento do Exército e mecânico de avião. Todos estudaram em escola pública”, frisou.
Solve for X
O Solve for X é um fórum que escuta e discute as avançadas tecnologias para resolver os problemas do nosso planeta.
Um problema para resolver, uma solução radical para resolver isso e a tecnologia para que isso aconteça são a essência do encontro.
O fórum, que faz parte do Google, é um ponto de encontro para reunir os principais estudos e programas do mundo todo que querem a solução para um planeta melhor no futuro.
Projeto foi vitrine
Ana foi convidada a participar do evento, que aconteceu no início do ano na Califórnia, por conta da inclusão de seu projeto desenvolvido com as crianças carentes de Campinas.
Frentes de estudo
Ana Zeri se considera uma bioquimicofísica e atualmente integra o quadro de pesquisadores do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), em Campinas, que faz parte do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, uma organização social qualificada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
O grupo de pesquisa coordenado por ela atua principalmente em dois programas de pesquisa do LNBio: em patógenos (micro-organismos que causam doenças), com o objetivo de identificar a estrutura atômica de moléculas biológicas, como enzimas e outras proteínas; e de desenvolvimento de fármacos, biomarcadores e cosméticos.
Aluna e amiga
Mais do que aluna e professora, a relação de Ana Carolina Zeri e Edina Lúcia Zorzi é de amizade.
Elas se conheceram entre as disciplinas do laboratório de eletrônica básica, como por exemplo eletricidade e teoria de semicondutor, mas os laços tornaram-se mais fortes do que uma corrente elétrica.
“O que dizer da Ana? Uma aluna maravilhosa, dedicada, foi nossa monitora. Ela está sempre sorrindo, alegre. Mais do que aluna e professora, nós nos tornamos amigas. Sempre quando ela vem, nós damos um jeito de nos encontrar e também de ela vir até a escola contar suas experiências. Os alunos ficam encantados”, disse Edina, que hoje é coordenadora do curso de eletrônica do CTI de Bauru.